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uma conversa sobre estilo pessoal

  • Foto do escritor: melody erlea
    melody erlea
  • 5 de mai. de 2017
  • 8 min de leitura

quem assistiu a versão do diretor de quase famosos talvez lembre de uma cena em que russel diz a penny lane que ela nunca vai se aposentar (dessa ocupação maravilhosa que é ser gruppie) e que a ~~cena~~ musical da época jamais se cansaria dela e de seu casaco verde que ela usava até no verão.

na época do filme, que assisti meio sem querer e sem saber do que se tratava, eu tinha uns 13 anos. saí do cinema apaixonada, mais convicta ainda do que antes de que música salva vidas, sonhando ter uma carreira como jornalista de música, imaginando em que mundo eu teria a sorte e a chance de william de sair em turnê com uma banda de verdade e de escrever numa revista de verdade sobre a experiência. aos 14 anos (e beeem até os meus 18, 19, 20, 30 anos), música era tudo pra mim.

the clash, smiths, the who, british invasion, david bowie, mod, post-punk, goth rock, bandas britânicas, britpop, indie, joy division, blur, velvet underground, era esse o vocabulário que me definia. meus livros da escola eram todos decorados com frases de músicas dessas bandas, que naquele tempo definiam tudo que eu sentia, o que eu pensava, meus questionamentos. eu achava mesmo que só aqueles músicos, cantores e compositores (alguns deles já mortos há um bom tempo) podiam me entender.

não é fácil ser uma adolescente com gosto musical diferente em um meio cheio de adolescentes que gostam das coisas do momento e sem noção de história da música. agora, quando digo isso com quase 30 anos, acho ridículo, mas a adolescência, né, gente, é cheia das coisas esquisitas. a verdade é que eu me sentia diferente do pessoal da minha idade ao meu redor, e, sim, música tinha a ver com isso, assim como gostos no geral - livros, filmes, tudo que eu gostava era diferente da galere - e também tinha a ver com aquela vontade de se posicionar, de se diferenciar, de mostrar que tinha algo dentro de mim que não tava só seguindo o rebanho. hoje eu entendo que não sou diferente, que tem muita gente por aí que gosta das coisas que eu gosto, e agradeço às redes sociais por me cercarem de semelhantes. mas lá no começo dos anos 2000, quando meu mundo era a escola e o clube que eu frequentava, parecia mesmo que eu era única, que eu estava sozinha, e quando eu ouvia why does it always rain on me, do travis, a sensação era de que tava mesmo chovendo na minha cabeça, só na minha.

lá por 2003, quando finalmente achei um grupinho de weirdos na escola que ouviam música antiga e gostavam de ler hemingway, ainda não tinha sacado que éramos iguais a muita gente. pareceu que eu finalmente tinha encontrado alguns poucos que me sacavam, alguns poucos e bons que entendiam de música e achavam que tinha alguma coisa errada com o resto do mundo. foi quando dois desses meus amigos sumiram pra começar a andar com um grupo de jovens rebeldes que diziam ser mods que eu entendi o poder que o gosto musical tem na nossa vida e em como a gente se veste. desde que havia assistido quase famosos eu estava a procura do meu "casaco verde da penny lane" - uma peça de roupa que as pessoas instantaneamente associassem a mim, algo que eu conseguisse usar com segurança em qualquer situação ou clima e que representasse com clareza meu "estilo". por um tempo quis que realmente fosse um casaco igual ao da penny, mas nunca encontrei tal maravilha, então por alguns anos da minha adolescência essa peça foi meu par de coturnos. pra mim, eles retratavam tudo que eu queria: eram alternativos o suficiente pra mostrar que eu não me contentava em fazer compras em lugares normais e boring como shoppings, eram "durões" o suficiente pra mostrar que eu não era só uma garotinha, e ainda tinham todo um repertório de cenas musicais e ideologias por trás. um par de sapatos, muitas mensagens. além do que, extremamente confortáveis e resistentes (apesar de um pouquinho quentes no verão). junto com o coturno veio todo o visual dark, e foi depois de um tempo que comecei a ousar e parear os coturnos com vestidinhos, com roupas mais femininas, com cores. acho que posso considerar esse momento o início da minha procura por um estilo que fosse meu - já tava de saco cheio de me perguntarem qual era minha "tribo" (aquela época ainda tinha resquícios dos anos 90) e percebi quão ridículos eu achava meus amigos que tinham virado "mods" e aceitado um estilo de se vestir e de vida que representava uma imagem padronizada e congelada de um movimento que tinha acontecido décadas antes e em outro país. 

uma coisa é muito clara pra mim hoje em dia: na adolescência, e por uma boa parte da faculdade, era menos sobre estilo de vestir e muto mais sobre música. quando, na faculdade, passei a sair à noite, frequentar baladas, e conhecer gente fora da minha bolha, e aprendi que tem gente de todos os tipos e todos os estilos, percebi que os lugares que eu frequentava e as amizades que eu fazia tinham sempre essa coisa da música, de gostar de música, e de certos tipos de música. e por muito tempo as conversas eram sobre música. ostentar gosto musical era a tendência na época, inclusive e especialmente entre as meninas estilosas. os blogs pessoais eram cheios de referências musicais, e pra mim o vestir de maneira diferente sempre esteve intimamente relacionado a isso: mostrar que o gosto musical também era diferente.  mas a gente não escrevia sobre roupa. não se falava sobre roupa, não se postava foto de look, porque tudo isso era secundário - em primeiro lugar se falava sobre as personalidades e gostos das pessoas "diferentes". essa é uma das razões pelas quais eu fui estudar letras e não moda: o que tava dentro do meu cérebro era mais importante do que tava por fora do meu corpo. hoje em dia falar sobre roupa tá na moda, o que é ruim e também é bom (como tudo na vida), mas nunca deixo de achar curioso como a roupa se descolou completamente do resto dos elementos culturais. hoje a gente lê e visita (e escreve) blogs cuja única intenção é mostrar e falar sobre roupa. a roupa que a gente usa passou a ser algo sobre o qual vale a pena escrever e publicar, mas que nada tem a ver com outras partes da nossa vida como que tipo de música a gente escuta ou que livros lemos ou que filmes vemos ou qual é o nosso repertório cultural no geral. algum tempo atrás falei no instagram sobre a tendência da meia arrastão, e postei essa foto minha aos 16 anos.

a calça rasgada e a meia arrastão, pra mim na adolescência, representavam um descontentamento social e um repertório musical, eram referências que eu tinha de ídolos musicais meus, do movimento punk, das mulheres badass do rock. aquilo mostrava quem eu era e da onde eu tirava minhas inspirações. eu usava a meia arrastão porque a história de como aquilo tinha sido usado antes era importante pra mim, era uma história que contava também um pouco de quem eu era. quando eu vestia a meia arrastão por baixo da calça rasgada, eu estava vestindo o joe strummer, sid & nancy, joan jett, suzy quatro, eu estava vestindo a história do rock.  anos atrás, quando ainda tava na onda do coturno, li um texto chamado "qual é a ideologia do seu cortuno?" e fiquei encafifada: eu precisava seguir algum movimento underground específico pra poder usar corturno? eu tinha que me nomear gótica ou punk ou dark? aquilo me soou risível: nomes de tribos não importam, o que importa é meu posicionamento pessoal e meu gosto musical. hoje em dia quando penso nessa coisa da meia arrastão lembro de uma entrevista da fran lebowitz em que ela diz que hoje as pessoas se preocupam mais com tendências do que com estilo. a gente fica tão tomado pelas porrinhas fashion brilhantes coloridas novas que esquecemos de aprender a nos vestir de verdade. não tomamos tempo pra conhecer nosso corpo, pra entender do que gostamos, o que achamos confortável, o que nos cai bem. a onda é meia arrastão? mete meia arrastão! a moda é pochete? tasca pochete! fran lebowits diz que não paramos mais pra pensar sobre a história das coisas, da onde elas vem, passamos tanto tempo online mas não procuramos por referências e compramos tudo que nos é vendido como novidade.  acho tão importante saber porque vestimos o que vestimos, entender que existem razões pras coisas entrarem e saírem de moda, e que a cada reedição um capítulo é aumentado na história dessa roupas. você aí usando pochete, você sabe por que ela esteve tão fora de moda por tantos anos? você sabe por que ela voltou? você realmente gosta de usar pochete ou alguém decidiu isso pra você? por que a gente odiava pochete até ano passado e esse ano de repente passou a amar? vocês não ficam mega encasquetados quando passam a gostar de algo que odiavam? porque eu fico, cara. lembro que quando a cintura alta voltou eu jurava que jamais iria cobrir meu umbigo com uma calça. agora aqui estou eu, com um armário cheio de coisas de cintura alta. quando o crop top voltou achei esquisitíssimo aquela parte da barriga aparecendo, agora amo. plataforma flatform, jelly straps, gargantilha (que agora chama choker), tudo isso a gente gosta depois não gosta depois gosta de novo e a gente não perde nem um tempinho pra se perguntar por quê? acho que essa é uma característica muito ruim dessa coisa da moda estar na moda: o que está na moda é a acessibilidade que temos a tantas coisas diferentes, o consumo pelo consumo, o ostentar coisas relacionadas ao vestuário que antes a gente via as famosas, as it girls, as modelos usando. e isso é legal, que agora todo mundo tem acesso a tudo, mas por outro lado a nossa falta de atenção ao que o mercado quer que a gente compre faz com que consumamos qualquer coisa como novo e essencial, e é aí que o estilo pessoal se perde. quando a gente sabe a história das coisas, mesmo das coisas ligadas a tendência e moda, fazemos escolhas que dizem com muito mais clareza quem nós somos. eu estou usando essa meia arrastão porque tão dizendo por aí que isso agora é legal ou porque eu me identifico com a história que essa peça tem na cultura pop e imagética em que vivemos? eu sei da onde ela veio? quem usava quando ela foi inventada? pelas pernas de quem essa peça passou, e o que a sociedade relacionava a ela antes e agora? eu estou preparada pra carregar a história dessa peça no meu corpo? qual é a ideologia da minha meia arrastão?  o gostar ou não de certas roupas tem a ver com maturidade, claro, mas normalmente tem muito mais a ver com uma força maior ditando o que a gente deve gostar e comprar, e é aí que a gente tem que prestar atenção e passar a se questionar. mais importante do que fotografar nossos looks e ostentar roupa, pra encontrar nosso estilo a gente tem que se perguntar: qual é a fucking ideologia por trás disso? finamente entendi que essa pergunta não é sobre encaixar meu estilo numa tribo específica, mas sobre ter clareza da mensagem que minhas roupas passam para além do vi na loja e achei bonito.

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