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roupas, rituais e opressões

  • Foto do escritor: melody erlea
    melody erlea
  • 18 de out. de 2019
  • 3 min de leitura


o crush postou essa foto hoje nos stories e, sério, esse casaco vermelho, essas algemas de plástico, o uniforme azul marinho do policial, eu podia jurar que era um teaser de handmaid's tale.


muito louco como uma série deixa certos símbolos poderosos e facilmente reconhecíveis: uma mulher algemada de vermelho acompanhada de uma autoridade de escuro, isso é o que @therealmargaretatwood visualizou em sua cabeça, direto do cérebro dela pra vida real.


a dama de vermelho da foto é @janefonda, que foi presa hoje pela segunda sexta-feira consecutiva por desobediência civil. a atriz estava protestando contra a falta de ação do governo em relação à crise climática e ambiental. ela disse que será presa toda sexta-feira até ver que alguma ação real está sendo tomada. é bom que ela tem grana pra bancar a fiança das 3 próximas gerações.


mas ainda tô de cara com a semelhança entre essa cena e basicamente qualquer momento de handmaid's tale em que as handmaids aparecem, vermelhas, sinalizadas, e sempre vigiadas pelos olhos masculinos de uniforme.


e esse gesto desafiador de jane, libertando uma das mãos das algemas (que ela disse machucarem mais do que as tradicionais de metal), fazendo um punho como quem sinaliza aos colegas, como quem diz vocês sabem quem e quantos somos e estamos juntos, carai, gente, fico até arrepiada de quanto isso seria perfeito em handmaid's tale.


pohan, demorou pra eu fazer um post sobre handmaid's tale, hein? vou até baixar a segunda temporada porque eu só vi a primeira e quero entrar no clima pra ler o resto da trilogia que margaret atwood acabou de lançar, mais de 30 anos depois do original. os tempos estão apropriados pra fantasias distópicas assustadoramente verossímeis, né?


***

rituais como cerimônias de casamento funcionam da mesma maneira que peças de teatro com falas decoradas pelos atores - todo mundo já sabe o que vai acontecer, mas se todos não cumprirem seus papéis, se o padre não ler a bíblia, se os noivos não disserem o "sim" no final dos votos... não vale. a gente tem que seguir o script do ritual pra ele ser validado como real.


gilead, pátria onde se passa o livro handmaid's tale, é uma nação de rituais. há o temível ritual central da sociedade, chamado de "a cerimônia", que emula, supostamente, a história de jacó e raquel. mas além dele há tantos outros: rituais para celebrar uma gravidez, rituais para celebrar um nascimento, rituais para pagar os respeitos a uma morte, rituais pós-atentados terroristas, rituais de punição a criminosos, rituais de convívio social. tudo ensaiado e decorado para manter a ilusão de uma sociedade que sobrevive sobre pretensões morais e religiosas altamente questionáveis. tudo pra manter a população regrada, controlada e com todos seus passos absolutamente previsíveis.


acho que os momentos mais doloridos na série (sem contar as várias maneiras com que as personagens são abusadas sexualmente) são os rituais relacionados a bebês e gravidez. para a handmaid, grávida, que é anulada e considerada apenas um porta-feto, é tenebroso. mas e pras esposas, elegantes, de azul, que precisam fingir convincentemente que aquele bebê é delas? que são elas que estão grávidas?


imagina o peso interno de ser a protagonista numa maldade dessas? de manter a pose ao parar-de-fumar-de-mentirinha porque faz mal ao bebê - que tá na barriga de outra? e ter que fingir que não há tristeza por ser incapaz de ter um bebê delas mesmas, fingir que não há inveja das mulheres férteis de vermelho, fingir que elas não prefeririam estar elas mesmas grávidas, com seus próprios bebês?


não consigo deixar de pensar em pessoa e no seu poeta fingidor. todas essas mulheres completamente sozinhas em seus papéis ritualísticos, fingindo. que doidera.

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