kate bush, a precursora de tudo
- melody erlea
- 7 de jun. de 2022
- 3 min de leitura
se alguém virasse hoje e me convidasse pra ir a um espetáculo de teatro com mímica com clown com mágica com ópera rock, eu ia dizer "obrigada, mas não obrigada".
mas se alguém me fizesse o mesmo convite em 1979, eu ia saber que era um show da primeira e única turnê que kate bush fez em toda sua carreira, e não apenas ia aceitar com todo meu coração, mas, possuindo meu conhecimento do futuro, iria aproveitar cada segundinho desse evento que nunca mais se repetiria.
no ano anterior a cantora havia lançado seus dois 1os discos e catapultado ao estrelato com o hit wuthering heights, que ela escreveu sem ter lido o livro da emily bronte e após ver os últimos 10 minutos de uma adaptação para o cinema. com apenas 19 anos, kate já tinha total controle de seu processo criativo, se recusava a seguir as ordens da gravadora e nunca teve um empresário. em 1978, quando madonna ainda tava tocando bateria em sua 1a banda garage e lady gaga e anitta não haviam nem nascido: kate bush foi a precursora da pop star controladora e multi-artista.
foi kate bush, também, que criou o estilo de show que depois madonna, lady gaga e tantas outras aperfeiçariam: para que pudesse cantar e dançar, pediu pra seu engenheiro de som um microfone sem fio, preso em sua cabeça, que ele fez com um arame de cabide. o cenário tinha projeções que conversavam com a performance, e jogos de luzes que contribuiam pra narrativa do show, diferentes composições de palco pra cada música, além de figurinos absurdos (dançarinos vestidos de violinos gigantes? check), quase 20 trocas de roupa para kate, e um espetáculo que ia muito além de ouvir a cantora ao vivo - em uma das músicas, ouvimos apenas um playback enquanto bush faz uma dança interpretativa que mistura balé com mímica: uma coreografia inspirada por lindsay kemp, bailarino e mímico que foi mentor e amigo de david bowie.

a mistura de referências artísticas e a teatralidade no palco, aliás, lá em 1978, só podia ser comparada com a turnê diamond dogs, do próprio bowie, em complexidade e espetacularidade. e assim: a mulher compôs todas as músicas, escreveu todas as letras, montou e produziu o show inteiro, das luzes ao figurino, coreografou tudo, e aí foi lá e dançou e cantou ao vivo. na época, a revista melody maker nomeou o show "o espetáculo mais magnífico já visto no mundo do rock".
um mix de referências só comparável a de bowie, uma teatralidade da qual décadas depois apenas lady gaga se aproximou, uma sonoridade e controle de voz que só vejo em joanna newsom... e uma subsequente reclusão do público que me lembra fiona apple. após a turnê de um mês pela inglaterra, que revelou a verdadeira extensão de seu talento e criatividade, mas também foi marcada por tragédias (a morte de um dos engenheiros de som num acidente), a cantora nunca mais tentou nada parecido. nas poucas entrevistas que deu na vida, ela mencionou a estafa emocional, mental e física de criar e carregar nas costas um show desses, e o incômodo que sente ao ter que viver por semanas a fio em ônibus e hotéis.
de 1979 pra cá, kate bush emplacou mais um grande hit, running up that hill, de 1985, mas nunca voltou a por o pé na estrada. com poucas aparições ao vivo na tv (algumas das quais você pode ver nesse post) e algumas participações como convidada em shows alheios, tipo do david gilmour, a artista segue reclusa, criando arte do jeito que ela gosta: a seu tempo, a sua maneira. e, quando rola, ela até volta a estourar nas paradas depois de aparecer numa série de terror de mega sucesso, né, @strangerthings?
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