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hedwig and the angry inch - mais que um filme, uma experiência

  • Foto do escritor: melody erlea
    melody erlea
  • 8 de jan. de 2022
  • 4 min de leitura


hedwig and the angry inch (hedwig - rock, amor e traição na versão brasileira, disponível na hbomax) é muito mais do que um filme - é uma história de amor contada em formato de show de rock, é uma fábula poética e absurda de autoconhecimento, é um épico musical sobre as perenigrações de uma pessoa estrangeira aqui como em qualquer lugar, é uma peça de teatro, um monólogo, um one-person show cheio de convidados especiais e banda de apoio, é uma experiência imersiva em música, improvisação, stand-up comedy, animação e story-telling..... hedwig é TUDO.


principalmente, hedwig é uma história universal e atemporal, equivalente aos grandes clássicos canônicos que contam histórias não sobre um indivíduo específico, mas sobre a humanidade. só que ainda melhor: tem rock 'n' roll, tem uma pegada punk faça-você-mesmo e um toque glam-on-a-budget, tem música, tem looks, e é uma história queer.

o filme conta a história de hedwig robinson, a internacionalmente ignorada estilista de canções que teve suas composições roubadas por seu pupilo tommy gnosis, que grava as músicas e se torna um rockstar de sucesso.

hedwig nasceu hansel, menino criado na alemanha oriental pela mãe divorciada, que cresceu ouvindo as estações ocidentais de rádio nos anos 70, e se encontra nas grandes vozes do rock americano, principalmente os músicos que ele descreve como "homo-crypto-rockers": lou reed, iggy pop, david bowie (que não era americano, e sim um idioma inteiro, diz hedwig). é tomando sol em escombros à beira do muro de berlim que hansel conhece luther, soldado norte-americano que o encanta com doces industrualizados ocidentais e promessas de nova vida nos estados unidos.


hansel aceita passar por um procedimento cirúrgico - uma mutilação - pra se tornar hedwig e poder casar com luther ainda na berlim oriental, e é essa operação que a deixa com o tal "angry inch" - a polegada raivosa que sobrou entre suas pernas.

é essa persona da hedwig, nem-homem-nem-mulher, que comanda a narrativa - sozinha no mundo, sem pertencer a gênero nenhum, a padrão ou rótulo nenhum, hedwig procura no amor romântico algum tipo de completude, se tornando amarga e cínica conforme esses relacionamentos dão errado e ela se vê mais solitária, traída, e furtada até de sua arte e sua própria história.


o que torna hedwig uma personagem tão rica e a história tão relacionável é sua complexidade e sua origem. criada inicialmente como uma personagem drag queen que se apresentava em pequenos clubes lgbt, hedwig foi sendo construída aos poucos, com uma apresentação que se tornava mais e mais complexa - até virar um filme inteiro.

os criadores do filme, john cameron mitchell (que interpreta hedwig) e stephen frask, compositor de todas as músicas, se conheceram numa viagem de avião, descobriram uma vontade mútua de contar histórias através de músicas, e ao longo de alguns anos juntaram anedotas e características de mulheres diferentes de suas vidas - babás, vizinhas, tias, professoras - pra criar hedwig.


prum filme que mistura tantas mídias e foi feito de maneira completamente independente, com orçamento bem contido, hedwig sai muito menos pretensioso que outros filmes do mesmo "tipo" - musicais queer-punk tipo rocky horror e velvet goldmine (que eu amo, mas sinto que, ao contrário de hedwig, acabam engessados no próprio formato non-sense que é o musical).

stephen frask comenta, em diversas entrevistas, que seu objetivo era justamente criar uma atmosfera diferente desses outros filmes, em que narrativa e música estivessem num equilíbrio satisfatório, em que a música contasse a história de maneira natural.


sabe aquela sensação que às vezes a gente tem em musical, de "carai véi, do nada essas pessoas começam a cantar e dançar? e todo mundo sabe dublar a música direitinho? e ninguém errou a coreô? q poha é essa". era isso que ele NÃO queria, risos.


o que o stephen queria era que o filme tivesse a energia de um show de rock, aliado a uma narrativa, uma história, que soasse verdadeira. a solução que o filme traz pra tirar aquela impressão "fake" dos musicais é maravilhosa: todas as músicas acontecem durante os shows da hedwig (e são tocadas ao vivo nas cenas, não é playback!) - são as músicas que ela compôs e tommy gnosis roubou, que ela apresenta numa turnê pelos eua que segue, cidade por cidade, a turnê de tommy. essas músicas contam sua história - a infância ouvindo música, o casamento com o soldado luther e o divórcio, o romance com tommy antes de sua fama...

é tentando desmascarar tommy gnosis que hedwig vai, nessa viagem de motéis baratos e bares de esquina, descobrindo que há muito mais nela que sua história com tommy, e muito mais até do que todas aquelas músicas pelas quais ela busca reconhecimento e autoria. ao buscar justiça e sucesso, hedwig encontra a si mesma, finalmente, sem os artifícios visuais e narrativos que ela usa pra construir sua persona. é se despindo por completo - de sua história, de sua maquiagem, roupas, peruca, é se despedindo de si mesma que ela consegue, enfim, liberdade pra ser.


here's to patti

and tina

and yoko

aretha

and nona

and nico

and me

and all the strange rock and rollers

you know you're doing all right

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